Arquitetura & Design de Interiores

A ADEQUAÇÃO DA ARQUITETURA ÀS QUESTÕES PREVENTIVAS EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS – artigo publicado na Revista Veja São Paulo edição 24/06/2020

Assim que a pandemia do novo Coronavírus atingiu o Brasil no início de 2020, muitos hábitos da rotina doméstica foram afetados. A necessidade de impedir o vírus de entrar nas residências e nos ambientes comerciais foi além das medidas básicas com uso dos equipamentos individuais de proteção (máscaras, viseiras transparentes, gorros etc.) e avançou para medidas de higienização que puseram em xeque a arquitetura contemporânea.

O arquiteto Manolo Vilches lembra que nas residências brasileiras do passado e até mesmo nos edifícios residenciais da primeira década do século XX, adotava-se o padrão europeu de distribuição espacial que incluía nas plantas arquitetônicas um “hall” ou vestíbulo de entrada interno, a partir do qual se distribuíam os ambientes. Refletia-se a preocupação europeia de deixar estanques os ambientes para mantê-los climatizados, principalmente aquecidos nos meses de frio. O ambiente de recepção, em geral, possuía um armário para casacos, chapéus e até mesmo galochas. No desenho a seguir observa-se o vestíbulo retangular na parte inferior central da planta do piso térreo da casa da Marquesa de Santos no Rio de Janeiro [1].


[1] http://acasasenhorial.org/acs/index.php/pt/casas-senhoriais/pesquisa-lista/160-casa-da-marquesa-de-santos

Com o tempo, viu-se que essa preocupação climática não tinha muito sentido num país tropical, com temperaturas amenas na maioria dos meses do ano, assim sendo, e por uma questão econômica, visando reduzir a metragem quadrada das unidades, as casas e apartamentos contemporâneos perderam o vestíbulo de entrada e , por motivos similares, a entrada de serviço que conduzia em geral à cozinha ou lavanderia, facilitando a entrada com compras e/ou animais.

Fato é que, na atual situação de medidas extremas de higienização, muitas pessoas vêm sentindo falta de um ambiente de entrada em suas residências; local para deixar sapatos, casacos, máscaras, e objetos a higienizar. A falta de um lavabo próximo ou de uma simples pia com água e sabão também tem gerado questionamentos sobre como a arquitetura poderia facilitar o isolamento das unidades no combate à contaminação por vírus e bactérias.

Adiciona-se à discussão o fato de que na contemporânea arquitetura de casas e edifícios, os elementos de circulação – corredores, escadas e elevadores – também perderam ventilação natural, gerando espaços que, embora atendam normas de segurança contra incêndios, não apresentam uma ventilação adequada à dispersão de partículas contaminantes.

Desta forma, muitos arquitetos, engenheiros e profissionais de empresas de tecnologia vêm trabalhando em possíveis soluções que ajudem na prevenção de doenças a partir de inovações em novos projetos residenciais e comerciais.

Como sugestão, o arquiteto Vilches apresenta sugestões para novas concepções em edifícios residenciais que incluem:

-Elevadores panorâmicos com vedação permeável tanto ao exterior como ao interior, com portas automatizadas aramadas e fachada em venezianas transparentes (remetendo aos antigos elevadores pantográficos). Além disso, os novos elevadores podem ser acionados por botões de piso ou através de comando de voz, sem contato manual com botões. Filtros de ar e lâmpadas uv podem ajudar na higienização das cabines revestidas por cobre escurecido e acabamentos em látex, materiais que retém vírus por menos de 4h;

-Corredores de distribuição com ventilação natural, cruzada, equipados com pias para higienização com água e sabão além de dispensers com álcool gel. Os revestimentos das superfícies incluem concreto polido e cerâmica com revestimento em látex. As paredes são pintadas com tintas resinadas bactericidas;

-Portas de acesso às unidades automatizadas, controladas por chave, voz, sensor de aproximação ou leitura biométrica sem contato (linhas da mão e íris);

-Vestíbulo de recepção com ventilação natural e filtragem de ar automatizada; equipado com pias higienizadoras, aparelhos com lâmpadas uv para desinfecção de objetos pessoais (celulares, chaves, carteiras, dinheiro, moedas etc.) e armários para casacos e sapatos;

-Antecâmara de acesso social com portas de correr automatizadas e abertura não simultânea, garantindo nos ambientes atmosfera purificada por aparelhos automáticos;

-Lavabo/wc completo, permitindo higienização total de moradores e visitantes;

-Área de recepção de serviço na qual são deixadas sacolas, compras e até mesmo pets para que recebam higienização em ambiente anexo equipado com tanque e dispensers de sabão e álcool e contando com ventilação natural e mecânica. Esse mesmo ambiente se comunica com a área de serviço e garante o isolamento total das atmosferas.

Pisos de todos esses ambientes seguem a linha dos materiais usados no corredor, com cerâmicas resinadas de fácil limpeza e mínima retenção de pó, ácaros. Lâmpadas de uv próximas ao piso fazem a higienização de tempos em tempos.

O arquiteto fala do aparecimento no mercado de aparelhos higienizadores portáteis para os objetos pessoais, como é o caso da luminária uv desenvolvida pelo studio chinês Frank Chou, e das lâmpadas com uv germicida da Tchnolamp.

Esses novos espaços incorporados às plantas em projeto apontam para um melhor dimensionamento dos apartamentos que têm beirado os limites mínimos de habitabilidade com lançamentos de unidades de pouco mais de 12m2 úteis em grandes cidades como São Paulo.

O aumento do home office e do estudo domiciliar são heranças da pandemia que, com certeza, vieram para ficar e exigirão nova distribuição espacial em casas e apartamentos opondo-se ao recente conceito de co-working, co-living, co-training nos quais os edifícios apresentavam grande variedade de espaços de integração social colaborativa.

Até evidências futuras do fim da pandemia e na cautela por novas situações desse tipo, Vilches acredita que muitas novidades surgirão tanto na configuração das habitações como nas opções de circulação e distribuição de ambientes.